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terça-feira, novembro 29

que miséria

João era um rapaz normal, tal como todos os rapazes da sua idade. Tinha os mesmos gostos que os outros, practicava desporto, ouvia a mesma música, tal como todos os rapazes da sua idade.

Mas tinha uma particularidade... Exalava um cheiro muito forte a peixe. Pois é. O João não era propriamente a companhia ideal para um encontro romântico, ou mesmo para um convívio com os amigos. De facto, era posto de parte por todos eles. Tudo devido ao seu cheiro horrível a pescado.
Enquanto foi pequeno, esse "pormenor" não o incomodava muito, já que não se apercebia do seu cheiro... para ele era absolutamente normal. O mesmo já não se pode dizer dos seus pais, que ele nunca chegou a conhecer.

João vivia num orfanato, com muitos outros rapazes (era uma daquelas casas monoassexuadas) embora tivesse direito ao seu próprio quarto individual. Vá-se lá saber porquê? Os pais dele eram capazes de saber...
Quando começou a ser posto de parte, João tentou tudo e mais alguma coisa para se livrar daquele cheiro que tanto incomodava as outras pessoas. Usava perfumes abundantemente, lavava-se várias vezes por dia. Até chegou a ficar de molho durante três dias! Mas nada. Contudo, pode dizer-se que o João era um rapaz normal, tal como todos os rapazes da sua idade.

Um dia, farto de tanta exclusão social, João decidiu ir viver para junto daqueles que nunca o iriam por de parte. Atirou-se ao mar e por lá ficou. Passados muitos anos, o seu corpo foi encontrado num fundo duma enseada... inteiro e intacto. Vá-se lá saber porquê... Parece que as bactérias também devem ter olfato.

Memórias de uma festa Okupa (squat party, no slang original)

segunda-feira, novembro 28

Reflexões de Wilson


Vossas Altezas Reais, Digníssimos Membros da Academia Sueca, Excelentíssimos Convidados, minhas senhoras e meus senhores,

Ainda me lembro de uma bela manhã, era um jovem puto preto de 9 anos, como tantos outros criados no ghetto, andava eu pelas ruas de Paço de Arcos, pensando na inexorável aridez da matriz ultra-hedonista que pontificava no pensamento filosófico hodierno e em novos rumos que conduzissem ao ressurgimento da moral enquanto referencial metafísico nas sociedades contemporâneas, quando me apercebo que a teorização pura e simples não poderiam mudar o mundo, teria que incutir nas mentes humanas o desprendimento dos bens materiais que escravizam a sociedade moderna.
Decidi então começar naquele momento a minha obra benemérita. Esgueirei-me por entre as grades de uma janela de um primeiro andar e entrei num quarto. Uma rapariga de vinte e tal anos dormia.
“Tão linda!”, pensei. “Faria dela a minha Julieta, ou pelo menos dar-lhe-ia uma bela queca… Se ao menos já tivesse atingido a puberdade!”
Incapaz de consumar fisicamente o meu amor, decidi então demonstrá-lo por actos, aliviando aquela simpática moça dos seus pertences mais valiosos. Que sorriso resplandecente de felicidade seria o seu quando acordasse e se visse subitamente livre do vil jugo do materialismo!
Mas eis que ela acorda, e começa a gritar histericamente.
Não sabia o que dizer. Decerto que, se me desse ao trabalho de lhe explicar a fundamentação filosófica dos meus actos, já teria os tímpanos perfurados, pois ela não parecia querer parar de berrar. Decidi condensar as minhas razões numa singela frase: “Cala-me essa boca, cabra, senão eu mato-te!”.
Naturalmente que tinha pressuposto estar a falar com uma mulher culta, que saberia que a cabra é um animal de boa-aventurança na astrologia chinesa e que não dizia “eu mato-te” no seu sentido literal, mas antes como uma metáfora para a morte do seu antigo eu consumista e escravo de um quotidiano alienante, para abrir caminho à sua posterior ressurreição como ser livre num mundo novo.
Ela assim não o entendeu. Fugiu pela casa, a sua mãe ameaçou-me com uma arma. Aterrorizado com quanta maldade cabia nos corações humanos, fugi. Senti-me como o homem que tenta tirar os companheiros da gruta, da alegoria de Platão. Fez queixa de mim à polícia, que felizmente teve o bom-senso de não me impor castigo rigorosamente nenhum. Afinal ainda havia gente boa neste mundo!

Este episódio não me desmotivou. Aliás, senhoras e senhores, neste momento em que tenho a honra de receber perante vós o prémio Nobel da Medicina de 2031 por ter inventado a cura para o cancro, queria dedicar esta descoberta a essa rapariga, e fazer sinceros votos para que jamais ela precise da minha descoberta. Porque quem ama a humanidade como eu amo, ama até a quem lhe quer mal.
Muito obrigado!

terça-feira, novembro 22

E se não nos tivessemos rido (So many nites)

Tudo estava praticamente às escuras. Pelas frestas dos estores escorriam feixes prateados de luar que iluminavam o quarto às tiras de zebra. Ela, sentada sobre a cama, seguia com os olhos cada movimento meu, pensando no que iria fazer a seguir. Apreciei por momentos essa sensação de poder.
Liguei o leitor de cds, baixinho, e dele murmurou a voz nasalada do Manu Chao

"So many nites
With your shadow in my bed
So many nites
Baby you whisper in my head..."

Lá em baixo, as vozes dos outros ainda se ouviam. A festa continuava, a anos-luz de distância (ou, pelo menos, assim parecia). Ela ficara com sono e anunciara que se iria deitar. Tentara levantar-se, mas em vão: tropeçara num sofá e quase caíra ao chão.
—Eu ajudo-te!, prontifiquei-me, com segundas intenções, admito-o (toda a história do mundo é, basicamente, a história das segundas intenções).
Conduzi-a até ao quarto e, no caminho, fiquei com a sensação que ela não estaria tão bêbeda como parecera. À medida que caminhávamos, pareceu-me mais sóbria que nunca. Tão viva, tão desperta, tão consciente de si e do seu próprio lugar no mundo como eu nunca a vira. Teria feito de propósito para me atrair até ao quarto?
—Então e agora, o que fazemos?, perguntou-me, enquanto eu apreciava o momento, de olhos fechados.

"I can not sleep
Haunted by your pretty body
I can not sleep
I want the world set on fire
So many nites
Can’t keep from goin down loose..."

Sentei-me ao lado dela e puxei-a para mim. Enterrei os dedos na raiz dos seus cabelos, onde a nuca encontra o pescoço, senti as suas madeixas deslizarem por entre os dedos.
—Não sei se já percebeste que chegámos ao limiar daquilo que sempre fomos. Temos uma opção: ou tu voltamos para o lado deles, e tudo continua como dantes; ou ficas comigo, e nada será como dantes. Não prometo que seja melhor nem pior, mas nada será como dantes.
Ela nunca havia pensado na questão naqueles termos. Em bom rigor, nem eu.
—Que queres fazer comigo?, perguntou.
—Despir-te, beijar cada centímetro do teu corpo e fazer amor contigo. Ou passar a noite a discutir porque é que a teoria de Maslow sobre a hierarquia das necessidades humanas é um perfeito absurdo. Ou então, apenas afagar os teus cabelos, mas muito, muuuuito devagar...

O olhar dela respirava sinceridade, à medida que as nossas almas se desabotoavam, se davam a conhecer em toda a sua extensão, sem agendas escondidas, todos os desejos, por mais inconfessáveis, estavam ali, claros como a água.
—A vida é muito simples, nós é que somos umas bestas e complicamos tudo. Comida, abrigo, amor e amizade autênticas fazem um ser humano feliz. Porquê complicar as coisas com torradeiras, com micro-ondas ou com jogos de poder?
—A comida, abrigo, amor e amizade autênticas SÃO jogos de poder., respondeu ela.
- Talvez..., respondi, em surdina, pois os lábios dela impediram-me de emitir qualquer som.
Nesse momento, entrou pela porta Daucus-Carota, tremendo vulto negro, tão grande que tinha que se baixar e contorcer para caber no quarto, como um balão de hélio entornado sobre o tecto. O barulho dos risos e dos copos e da música lá de fora regressou ao quarto.
—Hoje é o dia em que todos temos que morrer a rir! Morrer a rir!!!! MORRER A RIR!!, gritava, na sua voz idiota e nasalada.
Ela, enfeitiçada, irrompeu em gargalhada, atirando para trás os cabelos . Eu também, apesar de não perceber do que ria. O momento, frágil como um cristal, raro como uma jóia, desvaneceu-se para sempre no eterno turbilhão da história do universo. Era um prego espetado na manta da causa-efeito, um intervalo a jeito de parêntesis. O prego fora arrancado, e o mundo retomou o seu curso normal. Voltámos para junto dos outros, vencidos, para onde ninguém dera pela nossa falta.
“Daucus-Carota filho da puta!”, pensei. "Porque raio fomos nós rir??"
O leitor de cds ficou ligado, solitário, dando música ao luar de zebra.
“Hello Nadina do you do do do do do
I feel the moody like to picky picky you
I know you like it like a rub a dub stylee
I know you like a marijuana smokey
So many nites
Sing along the Merry Blues.”

segunda-feira, novembro 14

Escorre de baixo para cima - a resposta do enigma

O Homem encarou a Esfinge e respondeu: "Ora, os homens não escorrem. E, mesmo as coisas que escorrem - necessariamente líquidos -, nenhuma escorre para cima, todas obedecem às leis da gravidade".

A Esfinge respondeu com uma nova pergunta: "Tu disseste «necessariamente líquidos»? Como podes ter tanta certeza? Sabes o que é escorrer? Verter em fio, gotejar, pingar, descair, deixar pender, enxambrar?"

Nas profundezas dos seus neurónios, uma mesa de comando continha 8 luzinhas, quatro acesas, quatro apagadas. "Circuito bio-existencial ON" "Circuito emocional ON", "Circuito da Destreza e Simbolismo ON", "Circuito sócio-sexual ON", "Circuito Neuro-somático OFF". Subitamente, a quinta luzinha começou a piscar - pela primeira vez na história daquele Homem -, o sinal de ON surgiu.

Foi então que o Homem pensou. Não da maneira convencional, como lhe ensinaram na escola, mas foi antes buscar as suas intuições mais loucas, olhou para o problema através dos seus olhos, voltou a analisá-lo como o faria um homem das cavernas, um egípcio do tempo de Akhenaton, um ervanário chinês do século XII, um golfinho, um urso pardo, um ser de outro planeta infinitamente mais avançado. Imaginou a questão como ela lhe surgiria aos olhos se fosse um recém-nascido abrindo pela primeira vez os olhos para o mundo e um velho que sabe que tem apenas alguns minutos de vida.

Quando venceu as barreiras do tempo e espaço, o Homem encontrou a solução.
Disse ele então à Esfinge: "Imagina uma porta fechada. Do lado de fora, está escuro, mas para lá da porta existe luz. Sabes que existe uma luz porque vês um feixe luminoso rastejando pela fresta, rente ao chão. Imagina que para lá dessa porta, existe uma salinha pequena, um cubículo. Lá dentro, várias pessoas conversam. Ouves uma delas dizer: "Agora que já fechámos a porta, podemos voltar a fumar". Cliques de isqueiros.
O pequeno cubículo enche-se de fumo. Vês agora esse fumo transbordar pela frincha da porta, o fumo prateado sob uma luz amarelenta de pergaminho. Observa o fumo a transbordar. Ele forma uma nuvem, junto ao chão, como que uma poça de fumo. Depois, ele trepa pela superfície da porta, lentamente escorrendo, escorrendo, escorrendo, rumo à atmosfera.
A RESPOSTA PARA O TEU ENIGMA É O FUMO. SÓ ELE ESCORRE DE BAIXO PARA CIMA!"



A Esfinge soltou um grito, as suas formas derreteram até tornar-se uma massa disforme, e depois transformou-se em fumo, e escorreu em direcção às estrelas.

sexta-feira, novembro 11

Escorre de baixo para cima



A Esfinge, por todos esquecida, abriu os olhos e ordenou "Escorre!"
E o homem estranhou tal ordem. Era-lhe impossível escorrer. Fisicamente, logicamente impossível escorrer. Poderia imaginar um humano a voar, bastava juntar o conceito humano ao conceito de voo, imaginando um homem com umas asinhas, enfim, mas era-lhe impossível imaginar um homem a escorrer. O sujeito (implícito) não ligava com o verbo, tanto gramatical, como cosmicamente.

A Esfinge, desiludida com a pobre prestação do Homem, perguntou então:

QUAL É A ÚNICA COISA NA NATUREZA QUE CONSEGUIMOS APREENDER PELOS SENTIDOS QUE ESCORRE AO CONTRÁRIO, DE BAIXO PARA CIMA?"

O Homem não percebeu a pergunta.
A Esfinge insistiu: "Para responderes a esta pergunta terás que ter todos os sentidos - o alfacto, a audição, o tacto, a visão, mesmo a tua intuição - todos eles em pele de galinha: receptivos, abertos ao mundo como ele se te apresenta. Não terás que fazer zazen, mas terás que ter a percepção de um bodisattwa tibetano, de uma criança que chega a um local proibido e há muito desejado, de um turista que chega a uma cidade estrangeira e exótica, de um bebé que vem ao mundo."
O Homem pensou que a Esfinge enlouquecera.
A Esfinge torceu o nariz e retomou.
"Em Paris os luzeiros iluminam a noite, turbas de gente gritando nas ruas. Não é a tomada das novas Bastilhas, não é o Homem que fez a última revolução, que colocaria a "fraternidade", o elemento esquecido do tríptico, nos espíritos dos homens; são apenas uns quantos merdas que não têm nada para fazer, ou um episódio típico de luta de classes, como preferires chamar-lhe.
Em Trelleborg, na Suécia, um homem sai nú da sauna e vê o nascer do sol. Acende o cigarro e goza as 6 horas de sol que lhe restam.
Na Holanda, o costume.
Na Amazónia, os índios Tapuamachu dançam em torno de uma fogueira. Não fazem ideia da existência da civilização como nós a conhecemos. Não fazem ideia que NÓS existimos.

Portanto, eu repito

"QUAL É A ÚNICA COISA NA NATUREZA QUE CONSEGUIMOS APREENDER PELOS SENTIDOS QUE ESCORRE AO CONTRÁRIO, DE BAIXO PARA CIMA?"

quinta-feira, novembro 3

Como conheci Jim Morrison na Pensão A Estrela de Arroios



- Morrison, hmm não, não temos cá ninguém hospedado com esse nome.
Isso já eu sabia, apenas perguntara por perguntar.
- E um Senhor Mojo? Mojo Risin?
O indiano do balcão olhava-me com um ar desconfiado. Apetecia-lhe dizer-me que não sabia ao certo qual a minha ideia, mas que ficasse assente que aquilo era uma casa séria - dir-me-ia isso, não fosse aquela uma pensão de putas nas algibeiras da Avenida Almirante Reis. Engoliu em seco. Lembrou-se dos seus sonhos de obter uma cadeia de hoteis de luxo. Fora para isso que viera do Bangladesh e estava ali enfiado, com um gajo de aspecto bêbedo e ganzado a perguntar por um nome que mais parecia inventado.
- Sim, está cá um senhor com esse nome. Nacionalidade do Reino do Lagarto. Será possível?
- Não só é possível como eu não esperava outra coisa dele!, respondi, sorridente.
Passara a noite a ouvir um tipo alucinado assegurando-me que Jim Morrison não morrera de ataque de coração ou overdose em Paris, como havia sido propagandeado. Limitara-se a encenar a sua própria morte (isso explicava o facto de nunca ninguém ter ouvido falar do médico que assinou o relatório da suposta autópsia), para fugir ao próprio estrelato. Não havia nada pior para um iconoclasta do que transformar-se num ícone, e Jim decidiu morrer para o mundo, para sair desse filme. "Carry me caravan take me away, take me to Portugal, take me to Spain" - dizia ele, sendo óbvio que a luminosa Espanha seria o último sítio onde Jim procuraria refúgio, e Lisboa parece toda ela feita de propósito para alojar o trono do Lizard King. Perdi-me no caminho para casa e vim dar àquele beco de má fama. Resolvi arriscar.

Subi as escadas e descobri facilmente a porta do Jim. Era a única com pilhas de garrafas vazias de Jack Daniels do lado de fora. Bati à porta.
- Quem é?, perguntou lá de dentro aquela voz profunda e ligeiramente rouca nas extremidades, que parece invectivar directamente as profundezas da alma.
- Quem é? Como queres que eu saiba quem sou, eu, um simples mortal "like a dog without a bone, an actor without a role"?
Pareceu-me ouvi-lo rosnar "Detesto quando eles me fazem isto!"
A porta abriu-se. A mesma cabeleira farta, mas grisalha. Foi aí que me lembrei que Jim Morrison tem sessenta e poucos anos.
A sua testa estava enrugada, os olhos mais cavados no rosto, mas de resto igual: não enganaria ninguém.
- Jim, pá, estás com bom aspecto!, exclamei.
- Pois é... Sabes como é, um tipo deixa-se de álcool e drogas e fica logo mais em forma.
- Então e as garrafas à tua porta?, perguntei.
- Não são minhas, são do casal que está aí no quarto ao lado, os malandros, uns doidivanas! Mas olha, vais entrar ou não? É que com a porta aberta entra corrente de ar e é mau para os meus bicos de papagaio.
Entrei.
- Mas o que é que andas a fazer, Jim? Aposto que deves andar a curtir à grande, sem toda a gente a meter o nariz na tua vida.
- Sim, vivo uma existência cheia de emoção. Por exemplo, gosto muito de ver aquele programa do gordo, sabes, o que dá de manhã... A Praça da Alegria! Depois vejo a novela, saio para dar comida aos pombos, vou tomar a minha bica e o chiripiti ao café lá em baixo, jogo uma suecada, e volto para dentro antes que fique frio.
Estava escandalizado.
- Então e gajas?, arrisquei.
- Às segundas, quartas e sextas vem cá uma senhora do centro de dia trazer-me sopa quente, que sempre que se baixa, vê-se um bocado da perna a aparecer na saia, e nunca vi marcas de celulite tão sexy! Pena é que ela seja, enfim, um bocado para o forte! Mas olha, é o que se arranja.
- Então e escrita? Tens escrito poemas??
- Sim, tenho andado num período de criatividade furiosa. Recentemente mandei umas quadras da minha autoria para um programa da tê vê e se ganhar, essas quadras serão usadas para uma canção do rancho folclórico de Oliveira de Azemeis! Não é excitante??
Sentámo-nos no sofá a ver as televendas. Jim adormeceu durante o anúncio do descascador de bananas com aplicador para depilar sovacos. Saí dali o mais depressa que pude "Not to touch the earth, not to see the sun nothing left to do but to run run run".

Dizias que não querias ser um ídolo nem um mito. Isto era o mínimo que podia fazer para te ajudar. É a minha homenagem. Um abraço, pá!